Pular para o conteúdo principal

QUEM SÃO E COMO AGEM OS HERDEIROS DA UDN


“O Sr. Getúlio Vargas senador, não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar[1]. “
(Carlos Lacerda)

Tenho me referido de maneira recorrente os “herdeiros da UDN” como sendo aqueles que buscam apear a presidente da republica, com ou sem fundamento. Outro dia eu estava falando sobre o tema impeachment a um grupo de alunos de um curso de graduação em Direito e um dos jovens presentes, muito polido, me interrompeu e perguntou: “quem são os tais herdeiros da UDN aos quais você se refere”?

Percebi que a pergunta merecia atenção e me socorri da História.

A UDN é a sigla de um partido político e significa União Democrática Nacional. Esse partido foi criado em 1945 e extinto em 1965. Surgiu como uma frente, ou seja, um grupo arregimentado de políticos e cidadãos sem uma agenda política específica. A causa primeira e fundamental dos udenistas era fazer oposição ao regime do Estado Novo de Getulio Vargas e toda e qualquer doutrina originária de seu governo. Mas podemos afirma que para uma UDN ortodoxa o fundamental era um alinhamento político incondicional com os Estados Unidos.

Os ideólogos da UDN defendiam o capital estrangeiro de forma até constrangedora, como faz o Senador Paulista José Serra, e se opunham de forma intensa ao monopólio do capital estatal no desenvolvimento de uma política industrial, principalmente no que relacionou a área dos recursos naturais, como foi o caso da implantação de uma política industrial de petróleo na Era Vargas.

A UDN participou de todas as eleições majoritárias e proporcionais até 1965. O partido com o qual rivalizava era o PSD (Partido Social Democrata), o qual que possuía representação majoritária no congresso. A principal força da UDN era na região nordeste, onde imperava o coronelismo, por isso possuía vários governadores.

Desde sua fundação a UDN perdeu três eleições presidenciais consecutivas (1945, 1950 e 1955, respectivamente), ganhando a eleição de 1960, apoiando Jânio Quadros, com quem rompeu antes da renuncia deste. A UDN tem em seu currículo o apoio ao golpe civil-militar de 1964.

Fato é que durante sua existência a UDN sustentou-se numa idéia liberal conservadora, flertou com o autoritarismo em vários momentos, mas paradoxalmente a UDN votou a favor do monopólio estatal do petróleo e opôs-se à cassação dos integrantes do Partido Comunista em 1947, mas ficou marcada pela ligação com os militares sempre prontos ao golpe, refletia e o pensamento da classe média urbana da época, defendia o liberalismo clássico, com forte apego ao moralismo, sendo à época o mais conservador dos três partidos existentes.

Na área do debate econômico, porém, a UDN defendia o interesse dos proprietários de terra e da indústria ligada ao capital estrangeiro, adotando dessa maneira uma plataforma elitista, uma visão distante dos interesses nacionais e das classes mais baixas.

Diferencia-se três fases de atuação da UDN na política nacional durante sua breve existência: (a) oposição sistemática a Getúlio Vargas, em especial quanto à política social e a intervenção estatal da economia; (b) fase de denúncias de corrupção administrativa, com o fim de atingir a aliança governista PTB-PSD, que explica a aproximação com o moralismo janista e (c) fase do anticomunismo radical, que explica a aproximação com Ademar de Barros, e que culminaria com a participação ativa na ilegal, inconstitucional e imoral deposição de João Goulart.

Como todos os demais partidos da época, em 1965, através do Ato Institucional número 2, a UDN foi extinta e a maioria de seus integrantes engrossaria as fileiras da ARENA o partido que dava suporte ao Regime Militar no Congresso Nacional.

Mas voltemos ao período que antecedeu a eleição de Getulio Vargas. Quando da aproximação do pleito presidencial de 1950, havia uma grande movimentação na UDN contra a candidatura do então Senador Getulio Vargas. Ocorriam ataques virulentos, quotidianamente, do jornalista Carlos Lacerda contra Vargas, nos estilo Revista VEJA em relação a Dilma Rousseff hoje.

E Carlos Lacerda se tornou, dentro da UDN e fora dela, a encarnação militante do antigetulismo, nada poupando a figura de Getúlio Vargas, a quem se referia em termos bem distantes da tradicional elegância dos bacharéis udenistas [2].

Através do jornal Carlos Lacerda atacava Getulio e o ameaçava com uma Guerra Civil iminente caso este fosse reeleito: “Uma vitória do Sr. Getúlio Vargas seria [...] a divisão do Brasil em duas partes: a parte dos que aclamariam a volta da traição, até que se desenganassem tardiamente, e a parte, também numerosa, dos que não se conformariam com essa situação - e iriam às armas, e impediriam pelas armas se necessário, a volta do Sr. Getúlio Vargas ao poder..”.[3].

O udenista Carlos Lacerda, como todo bom udenista e seus herdeiros de hoje em dia poucos meses antes das eleições defendia a quebra das regras do jogo constitucional e sentenciava: “O Sr. Getúlio Vargas senador, não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar.”. Essa frase de Carlos Lacerda da UDN vem sendo repetida e praticada às escancaras por seus herdeiros, tanto do setor público, como do setor privado, num tempo que não se sabe mais quem serve a quem...

Os herdeiros da UND são todos que defendem a quebra das regras do jogo constitucional e propõe uma ruptura institucional e mais uma fissura na nossa democracia por razões que apenas a ausência de virtudes pode explicar.

Getúlio Vargas venceu as eleições e a UDN questionou na Justiça Eleitoral e durante todo o seu governo sofreu calunias e injurias, até que em 1954 Getúlio Vargas suicidou-se pelas razões apostas na sua carta-testamento, um dos mais importantes documentos da nossa História. Com esse ato mudou totalmente o rumo de sua trajetória na história do Brasil e do próprio país. Heroico.

O suicídio foi o ato heroico que Getúlio encontrou para obstar os interesses dos grupos internacionais e os vassalos tupiniquins, então inconformados com o regime de garantia do trabalho, com uma Petrobrás pública e com a lei que colocou freio à livre remessa de lucros extraordinários das multinacionais para o exterior, para falar apenas de alguns dos fatos que motivaram a ira dos canalhas da UDN, ira que deflagrou uma campanha de calunia e injurias contra o presidente.

A UDN - derrotada por Getulio em 1950 e 1954 - também foi derrotada por JK em 1955, não deu tréguas nem a ele nem a Jango e apoiou o golpe civil-militar de 1964, hoje os herdeiros da UDN buscam apear da presidência Dilma Rousseff, desde que ela foi eleita em 2014, pouco importa a razão, o fundamento ou a falta deles... Ela vem resistindo, a exemplo de JK, mas talvez seja o caso de Dilma lançar mão de um ato heróico e, como Getúlio Vargas, mudar totalmente o rumo de sua trajetória na história do Brasil e do próprio país.





[1] Carlos Lacerda, na Tribuna da Imprensa, 01/06/1950
[2] Tribuna da lmprensa, 12/8/1950
[3] O Jornalista e o Político Carlos Lacerda nas Crises Institucionais de 1950-1955 - Marcio de Paiva Delgado Mestrando em História - UFJF

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A BANDA DE MUSICA DA UDN

A BANDA DE MUSICA da UDN foi apropriada por setores do PSDB, aguardemos, mas penso que não vão sequer mudar o repertório.  Para quem não lembra a  A  banda de música  da  União Democrática Nacional  foi um grupo de oradores parlamentares à época da constituição brasileira de  1946  até  64 , arrogantes, conservadores e conhecidos por fustigarem os sucessivos governos do  Partido Social Democrático  e do  Partido Trabalhista Brasileiro , ou seja, foram oposição a GETULIO, JK e JANGO. Seus nomes mais notáveis foram  Carlos Lacerda ,  Afonso Arinos de Melo Franco ,  Adauto Lúcio Cardoso ,  Olavo Bilac Pinto ,  José Bonifácio Lafayette de Andrada ,  Aliomar Baleeiro  e  Prado Kelly  .

Convalidação de atos administrativos

O Princípio da Legalidade é o princípio capital para configuração do regime jurídico administrativo, enquanto o Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o interesse privado é da essência de qualquer Estado, de qualquer sociedade juridicamente organizada com fins políticos. E por não ter observado esse conceito e um Decreto Municipal o jovem ex-Diretor de Cultura de Campinas Gabriel Rapassi foi sumariamente exonerado e a autorização por ele expedida para que o circo Le Cirque apresentasse seus espetáculos na “Praça Arautos da Paz” invalidada pelo Secretário de Cultura Bruno Ribeiro. Penso que a exoneração foi acertada, mas a invalidação da autorização foi um erro. Em razão disso (i) a companhia circense acabou notificada a desocupar a praça, mesmo já estando lá instalada e em vias de dar iniciam aos espetáculos, (ii) a cidade ficou sem essa possibilidade de entretenimento e (iii) o dono do Circo, provavelmente patrocinado por interesses nada republicanos ou democráticos, p

SOBRE PERIGOSO ESTADO MINIMO

O governo Temer trouxe de volta a pauta neoliberal, propostas e ideias derrotadas nas urnas em 2002, 2006, 2010 e 2014. Esse é o fato. Com a reintrodução da agenda neoliberal a crença cega no tal Estado Mínimo voltou a ser professada, sem qualquer constrangimento e com apoio ostensivo da mídia corporativa. Penso que a volta das certezas que envolvem Estado mínimo, num país que ao longo da História não levou aos cidadãos o mínimo de Estado, é apenas um dos retrocessos do projeto neoliberal e anti-desenvolvimentista de Temer, pois não há nada mais velho e antissocial do que o enganoso “culto da austeridade”, remédio clássico seguido no Brasil dos anos de 1990 e aplicado na Europa desde 2008 com resultados catastróficos. Para fundamentar a reflexão e a critica é necessário recuperarmos os fundamentos e princípios constitucionais que regem a Ordem Econômica, especialmente para acalmar o embate beligerante desnecessário, mas sempre presente. A qual embate me refiro? Me ref