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O odioso patrimonialismo

O conceito de patrimonialismo é central nos modos habituais de se compreender o Brasil.
De maneira simples pode-se compreender o patrimonialismo como uma característica de um Estado que não possui distinções entre os limites do público e os limites do privado, ele era comum nos Estados absolutistas, onde o monarca gastava as rendas pessoais e as rendas obtidas pelo governo de forma indistinta, ora para assuntos que interessassem apenas a seu uso pessoal (compra de roupas, por exemplo), ora para assuntos de governo (como a construção de uma estrada). Como o termo sugere, o Estado acaba se tornando um patrimônio de seu governante.
Exemplo de patrimonialismo é o uso que o ex-governador Aécio Neves deu aos aviões e helicópteros do governo de Minas Gerais, nos sete anos e três meses de seu governo, entre 2003 e 2010. Foram 1430 viagens ao todo (das quais 110 com pouso ou decolagem do famoso aeroporto da cidade de Cláudio, construído nas terras do tio do governador). E dessas 1430 viagens pelo menos 198 vezes o governador não estava a bordo.
Qual o problema? Bem, há um decreto que estabelece que esses equipamentos destinam-se “ao transporte do governador, vice-governador, secretários de Estado, ao presidente da Assembléia Legislativa e outras autoridades públicas” e serve “para desempenho de atividades próprias dos serviços públicos”. Contudo, as aeronaves foram “emprestadas” pelo então governador para uso, gozo e fruição de seus amigos e sempre para atender os interesses privados. Não há como justificar o uso do dinheiro do povo de Minas Gerais por Luciano Huck, Roberto Civita, José Wilker, Milton Gonçalves, Ricardo Teixeira, José Serra, Ray Whelan (este acusado de envolvimento num esquema de venda ilegal de ingressos da Copa do Mundo do Brasil). E a lista completa traz ainda Fernando Henrique Cardoso que usou os aviões e os helicópteros em pelo menos dez ocasiões, sem a presença do governador.
Outro exemplo de patrimonialismo é a ação criminosa que gerentes e diretores da PETROBRÁS instituíram na empresa, com ou sem conhecimento de dirigentes políticos, um sistema cobrança e pagamento de propina que impôs à companhia prejuízos enormes, além de constrangimento nacional e internacional, mas esse assunto está judicializado e corruptos e corruptores estão sendo identificados e pagarão o necessário.
Fato é que patrimonialismo chegou à Europa pelos germanos que invadiram que Roma. Se os romanos tinham por característica a república, o interesse público, sistema de governo onde os interesses pessoais ficavam subjugados aos da república, os “bárbaros” germanos que aos poucos foram dando forma ao Império decadente, tinham o patrimonialismo como característica. Na lógica patrimonialista se gasta sem pudor o dinheiro público em benefício próprio ou de uma minoria.
No Brasil, o patrimonialismo fora implantado pelo Estado Colonial português quando o processo de concessão de títulos, de terras e poderes quase absolutos aos senhores de terra legou à posteridade uma prática político-administrativa em que o público e o privado não se distinguem perante as autoridades e resiste até hoje.  
Mas nem tudo é tragédia. Uma boa iniciativa de combate ao patrimonialismo é a noticiada intenção do Ministério Público em desencadear ações judiciais contra trinta e dois deputados e oito senadores que são concessionários de emissoras de rádio ou televisão, o que é proibido por lei.

Se o MP der andamento a ação vai atingir nomes importantes como os senadores Aécio Neves (MG), Edison Lobão (PMDB-MA), José Agripino Maia (DEM-RN), Fernando Collor de Mello (PTB-AL), Jader Barbalho (PMDB-PA) e Tasso Jereissati (PSDB-CE) e na câmara os deputados Sarney Filho (PV-MA), Beto Mansur (PRB-SP), Elcione Barbalho (PMDB-PA) (ex-mulher de Jader) Rodrigo de Castro (PSDB-MG) e Rubens Bueno (PR). Todos eles aparecem como sócios de emissoras, nos registros do Ministério das Comunicações. Na ação, a Procuradoria poderá pedir suspensão das concessões e uma condenação que obrigue a União a licitar novamente o serviço e se abster de dar novas outorgas aos citados.


Encontramos em Max Weber e em Florestan Fernandes bons conteúdos para reflexão sobre o patrimonialismo e seus efeitos. Se Max Weber o patrimonialismo é uma forma de dominação e parece estar preocupado com os aspectos do patrimonialismo que inibem a economia racional, como a ausência de estatutos formalmente racionais e com duração confiável, bem como de um quadro de funcionários com qualificação profissional formal. A discussão do patrimonialismo em Florestan Fernandes e no pensamento social brasileiro, em geral, é vista como um dos fatores que obstaculizam a conformação de uma ordem social democrática no Brasil. Reflexão necessária em tempos de mudança.

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