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CARTA ABERTA A PRESIDENTA DILMA ROUSSEFF


Eu não faço parte dos setenta Juristas que a visitaram e entregaram pareceres à senhora, sou apenas um modesto advogado aqui na minha cidade, com credenciais igualmente modestas, mas tenho refletido e escrito sobre a tensão entre os Poderes da República faz alguns anos e sobre que chamei de “metodologia do golpe”, ou seja, o processo de usurpação do poder por aqueles que não têm voto, com ajuda de parcela da mídia e de setores públicos apropriados pela ideologia liberal. Não preciso escrever sobre isso agora, quero dar uma sugestão para a senhora.
Escrevo à senhora porque sou brasileiro, patriota e porque penso compreender as causas não publicadas dessa crise política, a qual potencializa a crise econômica e gera tristeza e sofrimento; escrevo também porque me lembrei do conto “O moleiro de Sans-Souci”, de François Andrieux. Lembra-se dele PRESIDENTA?
É nesse conto que se cinzelou a famosa frase: “Ainda há juízes em Berlim!”.
Antes de entrar no assunto registro que nossas vidas são como a poesia de Carlos Drummond de Andrade, ele a descreveu como algo cheio de imperfeições: "Minha poesia é cheia de imperfeições. Se eu fosse crítico, apontaria muitos defeitos. Não vou apontar. Deixo para os outros. Minha obra é pública.", mas mesmo qualificando-a como imperfeita ela foi, e é transformadora porque nos enriquece a alma e porque é capaz de nos fazer pessoas melhores.
A Política também é cheia de imperfeições e defeitos, mas apenas ela é capaz de fazer a sociedade melhorar e apenas através dela podemos superar crises, qualquer outro caminho leva ao sofrimento das pessoas.
Bem, feita essa ressalva, nós podemos dizer com orgulho que há juízes no Brasil também, assim como havia em Berlim. O Ministro Fachim, advogado honrado que a Advocacia empresta ao STF, mostrou isso essa semana... A senhora se lembra do conto Presidenta?
A história é sobre um humilde moleiro, que não queria vender suas terras para Frederico, o Grande (que as desejava para aumentar seus aposentos palacianos)? E, Quando o rei disse-lhe que era rei e tudo podia, o moleiro respondeu-lhe: “Vossa Majestade, mas ainda há juízes em Berlim”. E Frederico desistiu.
Os patrimonialistas, herdeiros da UND, os capitães-do-golpe, os canalhas de várias espécies podem “ser rei” Presidenta, mas “ainda há juízes em Berlim”, ou noutras palavras: há cidadãos no Brasil e são os cidadãos patriotas que criaram as instituições, as estruturas, o Estado e os três poderes, esses verdadeiros brasileiros, com os quais a senhora deve conversar pessoal e diretamente. Os cidadãos patriotas estão acima e além dos ímpios, verdadeiros simulacros de pessoas que, mesmo polidos, se distanciam das fundamentais virtudes humanas e das virtudes divinas.
A senhora que dedicou sua vida à Política e pauta-se de forma honrada deve estar profundamente decepcionada com muitas coisas e a decepção traz consigo uma tristeza que pulsa incômoda, além de uma frustração eloquente, que fala à nossa consciência, mas creia: há Juízes no Brasil e esses juízes são os cidadãos, por isso faça o que deve ser feito.

Se os tempos se nos apresentam caóticos e apesar do caos, da decepção, há esperança e ela nos faz crer que esse caos não traz apenas anarquia ou desordem, o caos anuncia uma nova ordem.

Sei que o PT hegemonizou um processo novo na política brasileira, apresentou políticas sociais de reconhecido sucesso, investiu, multiplicou o PIB, gerou milhões de empregos, retirou duas dezenas de brasileiros da miséria, ou seja, fez o que se espera de um governo social-democrata inserido num mundo liberal, são legados inegáveis, contudo Presidenta Dilma, o governo ainda não fez até agora uma autocrítica pública e humilde dos erros cometidos por agentes públicos de diversos partidos. Essa autocrítica pública é fundamental.

Essa é minha sugestão, faça essa autocrítica e pública para depois seguir seu caminho, defender seu mandato e defender as políticas sociais. Para isso seja justa com os companheiros e aliados, mas seja generosa com o povo.

Converse com a sociedade, converse conosco pessoal e diretamente, pois os ímpios não têm com quem conversar. Conversar e agir é o que o povo brasileiro espera da senhora. Nesses tempos sombrios é heróico agir, é heróico conversar. Não reduza a Política à judicialização.

Agir nesse momento é heróico, trabalhar e conversar com as pessoas e dizer o que está fato acontecendo é o que se deve fazer. Mas ignore personagens como o ministro Mercadante, ele não merece tanto prestigio, descarte-o, seu governo ficará melhor sem ele.

Vencer os impasses com ação, com diálogo, pois as questões policiais, que envolvem personalidades da republica, do setor financeiro e empresarial, são responsabilidade das policias, do Ministério Público e do Poder Judiciário. Esses assuntos policiais não podem paralisar uma nação. Uma nação se constrói com ações Políticas.

Bem, o país hoje vive vários impasses, alguns de dimensão internacional e no plano interno, o país vive um limite estrutural. O Brasil conquistou um conjunto de avanços, mas se os processos de expansão das políticas sociais chegaram a um limite, a partir do qual são necessárias mudanças estruturais explique para as pessoas, elas entenderão, mas a senhora tem de dizer.

Esse caos é seara fértil para propor e implantar democraticamente reformas; apresentar as propostas é heróico num país em que a resistência das elites mostra-se extremamente forte, não hesite Presidenta e, repito, afaste-se de maus conselheiros como Mercadante, gente como ele tem impedido que o governo siga na construção democrática das mudanças estruturais indispensáveis.

Não deixe as pessoas esquecerem que o país colheu avanços sociais impressionantes, históricos, mas os efeitos da crise internacional chegaram e há decisões importantes para tomar, decisões heroicas. Há apenas uma coisa a fazer: vencer o medo e com coragem para fazer reformas estruturais, eternamente adiadas.

Por isso será necessária coragem heroica para dizer à sociedade que o rentismo vem impondo uma ciranda de juros elevados para rolagem da dívida pública e alto custo do crédito para pessoas físicas e jurídicas, e que essa realidade se traduziu, na prática, em um severo limite ao ciclo de crescimento baseado no mercado interno.

Serão fundamentais heroísmo e alma de militante para construir a unidade de forças progressistas (PSOL, PSB, REDE, PCdoB e do Movimento Cidadanista Raiz) e os quadros progressistas e patriotas do PMDB, PDT e até do PSDB como Bresser Pereira e Marconi Perillo para levar o governo para o centro-esquerda e dar efetividade aos avanços conquistados de direitos civis, políticos e sociais desde a Constituinte de 1988, sem perder de vista o necessário crescimento econômico e o equilíbrio fiscal.

Será heroico romper com as limitações impostas pela elite financeira ao desenvolvimento pleno do país, para isso será fundamental que lideranças empresariais de federações da indústria, como a FIESP, por exemplo, apoiem as reformas e mais ainda, é fundamental que elas participem da elaboração da proposta. E serão aliados legítimos e legitimadores, especialmente porque como escreveu Ladislau Dowbor “os juros internos da economia esterilizam as ações de política econômica social. O Rubens Ricupero e o Bresser Pereira, que foram ministros da Fazenda e entendem disso, aprovaram as minhas anotações”.

O diálogo e a ação unirão o país a partir da apresentação de proposta das reformas que, após aprovadas, representem reformas estruturais, inclusive uma reforma financeira, ou fazemos isso ou haverá um retrocesso indesejado, retrocesso social, econômico e político.

A democracia fez bem ao Brasil ao contrário do que propaga o mau-caratismo golpista, basta lembrar que Em 1991 nós tínhamos 85% dos municípios do Brasil que tinham um IDH muito baixo, inferior a 0,50, já em 2010 apenas 32 municípios estavam nessa situação, ou seja, 0,6%. Esse é apenas um exemplo e representa uma mudança extremamente profunda e estrutural.  

Por isso tudo com heroísmo a senhora está a resistir, mas o próximo passo é propor as reformas estruturais, a reforma financeira, a reforma tributária, a reforma política, a reforma urbana, etc. O heroísmo está no diálogo permanente com a sociedade, com ou sem panelaço; heroísmo está em conversar com o congresso, com os sindicados, com as federações de indústrias. O heroísmo e humildade necessária está em ouvir muito e seguir ouvindo, pois muita gente quer falar sobre a decepção em constatar a incapacidade de diversos atores políticos, que gozaram da sua confiança e da confiança de Lula, em desconstruir feudos e malfeitos e pior ainda: vê-los acusados de participação ou omissão em diversos casos.

Heróico é resistir, dialogar e agir, pois para manter a democracia forte e em movimento de crescente desenvolvimento é fundamental não perdermos de vista os objetivos da república previstos no artigo 3o da CF e quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem.

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