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O risco oculto da colegislação

Em entrevista à jornalista Mônica Bergamo da Folha de S. Paulo o jurista Ives Gandra afirma que o ex-ministro José Dirceu foi condenado sem provas. De acordo com ele, a teoria do domínio do fato foi adotada de forma inédita pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para condená-lo. 

Ainda de acordo com o citado jurista, esse ineditismo traz uma insegurança jurídica "monumental", já que permite que, a partir de agora, mesmo um inocente pode ser condenado com base apenas em presunções e indícios

Na prática o STF criou uma lei e o fez através da chamada colegislação.  Ela [a colegislação] deriva da fé de que a função de criar normas é prerrogativa compartilhada, não exclusiva do Congresso, isso é fato, mas há limites. 

Bem, não sou daqueles que afirmam que há indevida interferência na esfera legislativa, quando o STF invalida ou dá uma nova interpretação a uma lei, por outro lado é inegável que é prerrogativa do Congresso Nacional a elaboração de normas jurídicas. 

Levando tudo isso em conta não há nenhuma contradição em, de um lado (i) aceitar a invalidação ou uma nova interpretação de uma lei pelo colegiado do tribunal e de outro lado (ii) afirmar que não é dado aos integrantes do Poder Judiciário promover inovações no ordenamento normativo como se parlamentares fossem, pois ao Poder Judiciário não é dado o poder de criar normas jurídicas. 

Se fosse aceitável o Poder Judiciário criar leis estaríamos ao mesmo tempo negando dois princípios adotados pela constituição brasileira: (a) a separação de poderes, arranjo por meio do qual se busca prevenir o abuso de poder e (b) a democracia, ideal politico que almeja institucionalizar um governo do povo. 

A fusão desses dois princípios, na prática, confere ao parlamento eleito, e somente a ele, a função de legislar, e aos outros dois poderes o papel de aplicar o Direito. 

É verdade que o controle judicial de constitucionalidade é exceção, pois ele [o controle judicial de constitucionalidade] permite ao STF a declaração de inadequação de uma lei em relação ao texto constitucional. Mas nem de longe o controle judicial de constitucionalidade dá ao colegiado do STF o status de colegislador, trata-se de prerrogativa necessária em nome da supremacia da constituição. Ademais a atividade de controle não faz da suprema corte um legislador positivo, que cria normas, mas apenas um legislador negativo, que se limita a vetar certas normas emanadas do Congresso Nacional, permanecendo assim preservada a integridade da separação de poderes e da democracia

Querer transformar o Poder Judiciário em colegislador, como pretende parte da comunidade acadêmica, tem viés elitista e golpista, pois falta ao poder judiciário: legitimidade jurídica, legitimidade Politica e competência institucional para criar leis. 

Com a decisão de colegislar o STF quebrou a tradição de nunca invadir as competências de outro poder, essa postura transformou, nesse caso, o Supremo num legislador ativo, o que é no todo inconstitucional e pelo artigo 49, inciso XI, da Constituição, cabe ao Congresso anular essa decisão do Supremo.

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