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democracia sob risco


Já escrevei que acredito que as relações entre o sistema judicial e o sistema político atravessam um momento de tensão sem precedentes, cuja natureza se pode resumir numa frase: a Judicialização da política conduz à politização da justiça. E a opinião não é minha apenas, mas também do sociólogo português Boaventura Santos.
Há Judicialização da política sempre que os tribunais, no desempenho normal das suas funções, afetam de modo significativo as condições da ação política, ou de questões que originariamente deveriam ser resolvidas na arena política e não nos tribunais.
Esse fato pode ocorrer por duas vias principais: uma, de baixa intensidade, quando membros isolados da classe política são investigadores e eventualmente julgados por atividades criminosas que podem ter ou não a ver com o poder ou a função que a sua posição social destacada lhes confere.
Mas há outra via, de alta intensidade, quando parte da classe política – não se conformando ou não podendo resolver a luta pelo poder pelos mecanismos habituais do sistema político democrático – transfere para os tribunais os seus conflitos internos, por meio de denúncias ao Ministério Público (e algumas vezes do próprio MP), ou ajuizando ações diversas.
Bem, quando o Ministério Público investiga membros da classe política ou empresários e esses são julgados e condenados por atividades criminosas têm-se a Judicialização de baixa intensidade, necessária ao equilíbrio do próprio sistema.

Por outro lado, quando grupos políticos, partidos, companhias de diversas áreas e a mídia corporativa unem-se e não se conformando ou não podendo resolver a luta pelo poder pelos mecanismos habituais do sistema político democrático (as eleições) e passar a transferir para os tribunais e para a tela da TV conflitos que são essencialmente ideológicos os mesmo meramente policiais, por meio de denúncias ao Ministério Público (e algumas vezes do próprio MP), ajuizando ações diversas, criando espetáculo midiático a la big brother posso afirmar que a democracia está sob risco.

O que vemos hoje é a renuncia ao debate e sua substituição por um monólogo moralista que no passado deu ao país Janio Quadros e Collor de Mello, é triste ver partidos e parlamentares renunciando ao debate democrático e deslocando para o Judiciário e para a mídia conflitos que não são, a priori, jurídicos ou judiciais, mas sim ideológicos. E é igualmente triste quando vemos o Ministério Público usar a credibilidade da imprensa para obter apoio da opinião pública para afirmação de suas convicções e teses, mesmo antes da conclusão de suas próprias investigações ou de uma sentença que a confirme.

E o objetivo dessa tática (transferir tudo para o Judiciário e usar a imprensa) é por meio da exposição judicial e em conjunto com os órgãos de imprensa de seus adversários compensarem a falta de votos. Pois qualquer que seja o desenlace, enfraquecer, ou mesmo liquidar politicamente o adversário é o objetivo, sem qualquer zelo ético ou orientação democrática.
O professor Boaventura Santos afirma que, no momento em que isso ocorre, a classe política, ou parte dela, “tende a provocar convulsões sérias no sistema político”. Isso se dá quando ocorre a renúncia ao debate democrático e a transformação da luta política em luta judicial o fato.
A Judicialização da política pode a conduzir à politização da justiça. Esta consiste num tipo de questionamento da justiça que põe em causa, não só a sua funcionalidade, como também a sua credibilidade, ao atribuir-lhe desígnios que violam as regras da separação dos poderes dos órgãos de soberania.
Ademais, a politização da justiça coloca o sistema judicial numa situação de estresse institucional que, dependendo da forma como o gerir, tanto pode revelar dramaticamente a sua fraqueza, como a sua força.
A midiatização das investigações e das operações do Ministério Público busca transformar a plácida obscuridade dos processos judiciais na trepidante ribalta mediática dos dramas judiciais.
Esta transformação é problemática devido às diferenças entre a lógica da ação midiática, dominada por tempos instantâneos, e a lógica da ação judicial, dominada por tempos processuais lentos.
É certo que tanto a ação judicial como a ação mediática partilham o gosto pelas dicotomias drásticas entre ganhadores e perdedores. Mas, enquanto a primeiro exige prolongados procedimentos de contraditório e provas convincentes, a segunda dispensa tais exigências.
Em face disso, quando o conflito entre o judicial e o político ocorre na mídia, esta, longe de abranger veículos neutros, é um fator autônomo e importante do conflito.
E, sendo assim, as iniciativas tomadas para atenuar ou regular o conflito entre o judicial e o político não terão qualquer eficácia se os meios de comunicação social não forem incluídos no pacto institucional. É preocupante que tal fato passe despercebido e que, com isso, se trivialize a lei da selva mediática em curso.
O uso do judiciário e da mídia, o deslocamento desmedido de questões políticas e policiais para o campo judicial e midiático pode revelar ausência de espírito democrático de quem age assim e, em tese, verdadeira litigância de má-fé e ausência de espírito republicano.
Retomo esse tema e essa reflexão por crer na sua necessidade.

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