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MIS-Campinas pede socorro!... por Luiz Antonio de Almeida *

Recentemente, uma amiga do orkut, Cláudia Beraldo, enviou e-mail pedindo que eu votasse contra a mudança do Museu da Imagem e do Som de Campinas, de sua sede no Palácio dos Azulejos para sabe-se lá onde...

Parece que o poder público quer transformar o prédio histórico numa espécie de sala de recepção, ou coisa que o valha.

A intenção, obviamente, se justifica: o edifício é deslumbrante. Prefeitura de qualquer cidade teria orgulho em possuir um salão nobre ou sala de recepção num palácio desses. Contudo, dizer que o MIS-Campinas, para justificar o “despejo”, não atrai público suficiente, é uma tremenda injustiça. Museu não é estádio de futebol. Cultura poderia até ser produto de “massa”, mas não é. Cultura é algo a ser trabalhado, de resultados demorados, porém permanentes. Vejamos o Louvre. Milhares de pessoas visitam esse museu diariamente. E isso não se alcançou em 10 ou 20 anos, mas, sim, depois de 200 anos dedicados a transformá-lo no que ele é. O governo francês, desde os tempos de Napoleão, entendeu que a instituição seria exatamente a resposta ao mundo, à posteridade, à civilização ocidental, da importância que a França representava. E Campinas?
Palácio dos Azulejos, tesouro arquitetônico de Campinas, construído em 1878 e atual sede do Museu da Imagem e do Som. (03)

Daqui do Rio de Janeiro, só ouço falar de Campinas quando o assunto está relacionado à Unicamp ou às duplas “Chitãozinho e Xororó” e “Sandy e Júnior”, ilustres residentes da cidade. E é só. Campinas, em termos de projeção junto à cultura nacional, poderia ter papel altamente significativo. Não tem. E uma prova de que tal situação possivelmente se perpetuará é o fato de um museu importantíssimo como o MIS-Campinas, de uma hora para outra, ser ameaçado pelo próprio poder público! Ao invés de se “pensar” o MIS, procurar entender suas dificuldades, carências... Não, o negócio é “remover”. Pra quê um prédio tão bonito abrigando tanta “velharia”?... Quer coisa mais absurda que no Estado de São Paulo, em pleno ano de 2010, uma prefeitura compreenda a cultura de sua cidade dessa maneira? É certo que o palácio transformado em sala de visitas do prefeito receberá as melhorias de que tanto precisa. Mas não é assim que a coisa deve funcionar. Isso é uma covardia com o pessoal do museu, com a memória de Campinas. Ou seja: para abrigo de futuros regabofes entre correligionários e palco das vaidades do alcáide falastrão, certamente o dinheiro aparecerá, o prédio será restaurado. Mas para a preservação do patrimônio histórico da cidade, nada.

O campineiro Antonio Carlos Gomes, autor da célebre ópera “Il Guarany” e primeiro compositor brasileiro a alcançar fama internacional. (01)

Sabemos que Carlos Gomes, o maior nome da música erudita brasileira, no século XIX, nasceu em Campinas. E daí? O que Campinas tem feito pela memória de Carlos Gomes, hoje? Onde estão, por exemplo, a “Medalha Carlos Gomes”, o “Festival Carlos Gomes”, o “Prêmio Carlos Gomes”?... Não estão em lugar nenhum! Simplesmente, não existem!... Fico pensando em Gramado (RS), com seu festival de cinema, Parati (RJ), com a Flip, sua feira literária, eventos de projeção internacional. Mas isso dá trabalho, não se faz de um dia para o outro, de uma gestão administrativa para outra... Há, ainda, o exemplo de Santa Rita do Passa Quatro, no interior de São Paulo, que aproveitou uma estação de trem desativada e a transformou num museu com o nome de Zequinha de Abreu, compositor nascido na cidade e autor do famosíssimo chorinho “Tico-tico no fubá”. Esse museu é uma das pérolas de Santa Rita.

Museu Histórico e Pedagógico Zequinha de Abreu. Na foto, a família: Ana Caroline Abreu de Almeida Stringuini Bernardo (criança), Hilda Abreu de Almeida, Dirce de Abreu (filha de Zequinha) e o Professor Carlos del Bel, então diretor da instituição. Santa Rita do Passa Quatro, São Paulo, 1986. (02)

Em 1926, nos primeiros dias de julho, o compositor Ernesto Nazareth, em turnê por algumas cidades de São Paulo, chegou a Campinas, ali se apresentando no Club Campineiro (por duas vezes), no Club Semanal de Cultura Artística e no Centro de Sciencias, Letras e Artes, perfazendo, portanto, um total de quatro recitais públicos. Quanto às audições particulares, certamente foram em bom número, pois só retornou à capital paulista entre 19 e 22 de agosto, levando, consigo, além das melhores impressões, dois pequenos álbuns com dez primorosos cartões-postais em cada, retratando o Largo Carlos Gomes e coreto, a Praça José Bonifácio, a Escola Normal, a Rua da Conceição, Monumento Ruy Barbosa, Rua Andrade Neves, 4º Grupo Escolar, a Catedral, o Clube Campineiro, a Rua Barão de Jaguará, a estátua de Carlos Gomes, a Rua Treze de Maio e a Igreja Matriz da Santa Cruz.

Três recordações de Ernesto Nazareth, datadas de 1926: programa, fotografia tirada por Valério Vieira (SP) e convite. (02)
Ernesto Nazareth dedicou a dois amigos de Campinas, o dentista Numa Corrêa de Carvalho e sua esposa Effe, uma de suas obras primas, o “Nocturno nº 1”, que pode ser ouvido na magistral interpretação de Alexandre Dias, acessando o link: http://sovacodecobra.uol.com.br/2010/06/noturno-op-1/

A terra que testemunhou o francês Hércules Florence realizando as experiências que projetariam seu nome entre os pioneiros da fotografia universal; Carlos Gomes, primeiro e único a levar histórias de nossos índios e negros aos palcos da Europa, por meio de suas óperas; Alexandre Levy, outro músico erudito, precursor no recolhimento de temas populares, especificamente o “Samba”, e perpetrando-os em partitura, isso em 1890... Que pena! Que descaso!... Cidade sem passado é cidade sem futuro. Não que Campinas vá desaparecer do mapa. Porém, conhecendo bem esse filme, que não é de ficção, mas de terror, vejo Campinas sendo transformada em mais uma daquelas cidades sem história, sem tradição, “sem alma”, anunciada pelos telejornais como “cidade-satélite” da megalópole São Paulo ou, o pior de todos os pesadelos: a transformação de Campinas numa espécie de “cidade-terminal ferroviário”.

Futura sede do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro. Praia de Copacabana, mais importante cartão-postal do Brasil. Maneira inteligente de se governar, com respeito à memória de uma cidade e à MPB. (03)

* Pesquisador da Música Brasileira



Fontes:

01 - Carlos Gomes por Arthur Anglada Lucas, Museu dos Teatros, RJ;

02 - Coleção Luiz Antonio de Almeida, Rio de Janeiro;

03 - Imagem disponibilizada pela Internet.




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