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A DECADÊNCIA INTELECTUAL DE FERNANDO HENRIQUE


Um dos primeiros intelectuais que eu ouvi “ao vivo” foi o então sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Esse fato deu-se em 1.982 na PUC-SP na abertura do V ENED – Encontro Nacional de Estudantes de Direito. Fernando Henrique, que ainda não era FHC, ao lado de Hélio Bicudo empolgou a todos nós falando sobre a necessidade e importância do movimento estudantil para o sucesso do processo de redemocratização.



Fernando Henrique, segundo o próprio Lula numa entrevista histórica à revista PLAYBOY, era lado de Jacó Bittar e do sociólogo Chico Oliveira, um dos mais entusiasmados com a criação de um partido político que rompesse com a lógica elitista da política tradicional de direita e também com os dogmas dos históricos partidos de esquerda para construir-se a partir das experiências tão próprias dos trabalhadores urbanos, dos intelectuais engajados e do movimento popular.



Eu gosto de pensar que a visão deles naquele momento era como a de Bergson, que acreditava na vivência com um valor de importância transformadora, assim como a educação formal. E o filosofo espanhol Garcia Morente dá um exemplo, do qual gosto muito, para ilustrar isso, ele diz: “Uma pessoa pode estudar minuciosamente o mapa de Paris; estudá-lo muito bem; observar um por um os diferentes nomes das ruas; estudar suas direções; depois pode estudar os monumentos que há em cada rua; pode estudar os planos desses monumentos; pode revistar as séries das fotografias do Museu do Louvre, uma por uma. Depois de ter estudado o mapa e os monumentos pode este homem procurar para si uma visão das perspectivas de Paris mediante uma série de fotografias tomadas de múltiplos pontos. Pode chegar dessa maneira a ter uma idéia bastante clara, muito clara, claríssima, pormenorizadíssima, de Paris. Semelhante idéia poderá ir aperfeiçoando-se cada vez mais, à medida que os estudos deste homem forem cada vez mais minuciosos; mas sempre será uma simples idéia. Ao contrário, vinte minutos de passeio a pé por Paris são uma vivência.”.



Mas Fernando Henrique, intelectual que eu ouvi em 1.982 e que dois anos antes se animava ao lado de Lula e Jacó Bittar (os dois maiores expoentes do sindicalismo brasileiro dos anos 80), não existe mais e isso ficou claro especialmente depois de suas recentes declarações, reveladoras de triste decadência.



Suas declarações o aproximam da velha UDN e decreta, penso, o fim do PSDB como possibilidade de ser o representante da social-democracia no Brasil e na América Latina.



Por quê? Ora, o debate político nesse processo eleitoral vai deixando cada vez mais claro uma espécie de udenismo de setores PSDB, exemplo disso é a entrevista que Fernando Henrique, já FHC, deu ao jornal O Estado de S. Paulo recentemente.



Ele onde expõe com clareza seu desprezo em relação aos movimentos de massa e, simultaneamente, o eu temor de uma democratização mais profunda que assegure seu maior protagonismo de seguimentos não ligados a uma elite, igualmente decadente, a qual ele pensa e deseja representar.



Não convém esquecer que a UDN - União Democrática Nacional foi por seguramente vinte anos o partido do grande capital, dos banqueiros, dos aliados do colonialismo e de amplos setores conservadores da classe média. A prática da UDN, seu programa tinha a mesma marca liberal do PSDB de hoje, a UDN se opunha ao desenvolvimento industrial e à incorporação dos trabalhadores à política, defendia a integração subordinada do Brasil à divisão internacional do trabalho, sob obediente orientação macroeconômica dos EUA à época [1].



Sem participação da sociedade civil, sem participação das massas, sem a participação do povo não há democracia é nisso que eu acredito e é isso que FHC negou.



A falta de democracia é fatal também à esquerda, pois como sabemos a Revolução socialista de 1917 tinha dirigentes, mas não tinha classe operária consolidada, articulada e organizada na URSS e os dirigentes revolucionários, que passaram num primeiro momento a substituir a classe trabalhadora, impediram a efetiva participação das massas, pois o Partido passou a ser uma espécie de tutor político da classe trabalhadora, o que pode ter significado um distanciamento do Partido dos verdadeiros desejos e aspirações dos trabalhadores[2], um distanciamento que conduziu a URSS à perestroika.



Os dirigentes soviéticos tornaram-se porta-vozes da burocracia e não do povo, uma burocracia que negou desprezou a classe que pretendia representar, que negou o direito à efetiva participação no poder e na construção do Estado socialista, criou privilégios (cuja manutenção passou a ser a exclusiva luta de dirigentes) os quais não representavam as massas. Essa prática reduziu a URSS a um Estado operário e em processo de degeneração pela burocracia estatal.



Será que FHC pretende que os intelectuais e a elite que ele representa sejam os porta-vozes da nação? Sem ouvir o povo? Quem é o autoritário? Quem é o fascista?



Mas a entrevista de Fernando Henrique Cardoso ao O Estado de S. Paulo tem o mérito de expor claramente que ele nos enganou por décadas, ele não é um democrata ele é um elitista conservador.



Ao acusar Lula de juntar-se ao que “há de pior na cultura do conservadorismo” na política brasileira, referindo-se ao PMDB, esqueceu-se que o PMDB é um partido fundado por democratas que lutaram contra a ditadura militar de 1964 e que ele próprio foi filiado ao PMDB e dele aliado quando na presidência da república. FHC dissimula quando “se esquece” de dizer que o aliado preferencial do PSDB hoje são aqueles que durante a ditadura estavam do outro lado, e apoiavam a perseguição policial contra os verdadeiros democratas.



Ele é falacioso quando ataca a “democracia popular” afirmando que “democracia é mais do que ter maioria”, é evidente que democracia é respeito à lei e ao interesse público, respeito à Constituição (que ele desrespeitou e alterou de forma oportunista para ter direito ao um segundo mandato), é respeito às minorias e à diversidade.



Talvez o controvertido jornalista Sebastião Nery, tenha razão quando afirmou em recente artigo no jornal Tribuna da Imprensa, com base em dois livros – um mais antigo, Fernando Henrique Cardoso, o Brasil do possível, da jornalista francesa Brigitte Leoni (Editora Nova Fronteira, 1997), e outro mais recente, Quem pagou a conta? A CIA na guerra fria da cultura, da autora inglesa Frances Saunders (Editora Record, 2008) que o ex-presidente FHC, atualmente um dos mentores da oposição de direita ao governo Lula, foi financiado pela temida CIA, o serviço de espionagem dos EUA, que ajudou a desestabilizar vários governos progressistas no mundo todo.



Esses livros merecem ser lidos.

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[1] A UDN fez oposição aos presidentes Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart, os quais são identificados genericamente com a luta para desenvolver e democratizar o país, ressalva a GV, e afirmar a soberania nacional. A UDN destacou-se em campanhas de mídia movidas à base de denúncias de falcatruas, muito parecido com o que o PSDB faz hoje. Essas denuncias vazias em sua maioria deram à UDN o mesmo caráter “moralista”, caráter que o PSDB busca ter também.







[2] O próprio Lênin se mostrava incomodado com esse fato, tanto que num congresso dos sovietes em dezembro de 1921 ele, argumentando contra os que se intitulavam, com demasiada insistência, “representantes do proletariado” disse: Desculpem-me, mas o que consideram proletariado? A classe trabalhadora empregada na indústria em grande escala. Mas onde está a indústria em grande escala (de vocês)? Que tipo de proletariado é esse? Onde está a indústria? Por que ele está ocioso? (Sochibenya, vol. XXXIII, p. 148, citado por Isaac Deustscher no livro TROTSKY, O PROFETA DESARMADO, ed. Civilização brasileira, p.39).

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